Vieira da Silva

 

APRESENTAÇÃO

IMAGENS







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Bilhete para José Maria Gouveia

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

(do poema Porque de Sophia de Mello Breyner)



Sempre te encontrei nesse teu desassossego permanente de rasgar caminhos para o futuro quando este país ainda era um cais de silêncio e de medo. Das cantigas mais ou menos ingénuas que fui inventando fazias o pretexto para diálogos de cumplicidade que o teu olhar prolongava para lá dos limites do momento. Com o entusiasmo de quem sabia que, apesar do conformismo obrigatório, outros camaradas como tu lutavam em cada dia para que a pátria adormecida pelo cansaço de um povo sem esperança fosse para sempre libertada e se transformasse na casa imensa de todos para todos.

E no entanto quando aconteceu Abril não caíste na tentação vulgar de te servires da imagem de combatente antifascista como trampolim para qualquer pedestal. Continuaste lucidamente atento com a insatisfação de quem estava firmemente convicto que não bastava passear pelas avenidas da revolução entre palavras acesas e cravos vermelhos para que a democracia sem exploradores e explorados se tornasse a realidade durante tantos anos imaginada.

E embora os anos nos fossem quebrando mais ou menos dolorosamente muitos dos sonhos, nunca deixaste de estar presente com a tua teimosia de fazer de Abril uma janela para um imenso mundo de homens livres e fraternos.

E apesar de não ignorar que a morte é sempre injustamente inevitável habituei-me a ter a certeza de sempre estarias presente com o teu abraço solidário.
Por isso não consegui evitar a amargura da surpresa deste súbito silêncio.


Ílhavo, 28/03/2006
vieira da silva

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CANTIGAS

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